domingo, 10 de julho de 2011

QUAL A ILHA?

Era questão de honra. Eu estava nos Açores a convite do Governo Regional. Minha missão era mergulhar no dia a dia daquele arquipélago e compor canções inspiradas em tudo que estivesse ao meu entorno. Já tinha conseguido uma meia dúzia delas, mas faltava cumprir a promessa maior de compor uma canção que falasse das nove ilhas. Pra quem não sabe as ilhas que formam os Açores são: Graciosa, Terceira, Flores, Corvo, Santa Maria, Pico, São Jorge, São Miguel e Faial. 
Os dias se seguiam e nada de vir a inspiração. Até que, num final de tarde, eu estava na sacada do Hotel, na Ilha do Faial, quando avistei uma lua majestosa no horizonte. Pra completar o cenário, lá estava a Ilha do Pico, imponente, com aquela forma de vulcão silencioso e instigante. Pensei, é hoje! Com o violão nas costas, gravador no bolso, passei no Bar do Peter para tomar umas duas Guinnes e fui me sentar à beira do cais da marina que fica em frente ao hotel. Comecei a conversar com a lua e aos poucos a canção veio chegando. Tinha um “Q” de fado e a letra acabou assim:

QUAL A ILHA? (Jorge Coelho)

Ó LUA! ONDE ANDARÁ O MEU AMOR?
QUAL A ILHA? ME DÁ O RUMO POR FAVOR
ME APONTA A DIREÇÃO DE SER FELIZ
QUE EU JÁ CANSEI DE PROCURAR
ESTOU TÃO FARTO DE ERRAR
FICAR PRA SEMPRE POR UM TRIZ

SERÁ QUE VIVE NA TERCEIRA
ILHA DO CORVO OU SÃO MIGUEL
SANTA MARIA, MEU SÃO JORGE
DAS FLORES LINDA E GRACIOSA
SERÁ PROS LADOS DO ORIENTE
SERÁ QUE É PRENDA OCIDENTAL?
SE FOR DO PICO CÁ EM FRENTE
EU VOU À NADO DO FAIAL.


sexta-feira, 13 de maio de 2011

SAMBAQUI

Quem nunca namorou à beira-mar em Sambaqui, numa noite de lua cheia, não sabe o que está perdendo. Desligue o som do carro, ponha os pés na praia e sinta o barulhinho bom do encontro das marolas com o areia. Admire o brilho das luzes que dão vida à orla continental, lá do outro lado, e realçam a exuberância da Ponte Hercílio Luz. Aproveite esse momento para celebrar a vida e curtir um momento de paz junto ao seu amor. Depois disso, se você tiver vontade de virar poeta, não se acanhe. Bote seu coração nas pontas dos dedos e dedique uns versos para esse cantinho de mundo encantado. A Ilha agradece.


SAMBAQUI (Jorge Coelho)

VOCÊ ME QUER E ME ARRASTA
PROS LADOS DO SAMBAQUI
A SUA VOZ JÁ ME BASTA
QUEM É QUE VAI RESISTIR

À BEIRA-MAR UM CENÁRIO
QUE ATÉ VINÍCIUS SONHOU
EU JÁ NEM SEI DO HORÁRIO
NEM SE MEU TIME GANHOU

E O MAR E A AREIA
FAZENDO AMOR AO LUAR
E NÓS DE BÔTO E SEREIA
SE AMANDO AO FANTASIAR


E O MAR E A AREIA
FAZENDO AMOR AO LUAR
E NÓS DE BÔTO E SEREIA
FANTASIANDO O GOSTAR

VOCÊ ME AQUECE E ME ABRAÇA
E EU QUERENDO APRENDER
NESSE LUGAR TODA A GRAÇA
DA ARTE DO BEM VIVER

A PONTE É RENDA DE LUZ
ORNANDO SONHOS ILHÉUS
NAMORA O MORRO DA CRUZ
ESQUECE OS ARRANHA-CÉUS

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Mauro Garatéia, o Aprendiz Professor

Grande figura! Deixou saudades a todos que o conheceram. Minha amizade com ele surgiu quando cismei de tocar violão.
O rock surgia como o grande acontecimento musical do século. Tudo o que eu desejava era aprender a tocar guitarra. Ela tornara-se o símbolo de um movimento identificado com a juventude e minha cabeça já tinha um objetivo: dominá-la por inteiro e extrair aquele som instigante, revolucionário e provocante para os padrões da época. Como sua estrutura foi baseada no violão, quem quisesse se tornar um guitarrista podia muito bem começar por aprender com o velho e bom “pinho”. Isto vale inclusive para os dias atuais.
Foi então que comecei a procurar por um professor de violão na cidade. Pergunta daqui, pergunta de lá e nada de encontrar um mestre. A Zimba, neste particular, me parecia um zero à esquerda.
Um dia, porém, me informaram sobre o tal de Mauro Garatéia que arranhava um violão e que por sinal namorava a Terezinha, filha do seu Dorlin, nosso vizinho. Foi através dela que cheguei até a casa dele lá no bairro do Sete, para ter a primeira aula. Lembro-me desse dia como se fosse hoje. Mauro me recebeu com sorriso fácil e foi logo puxando o violão. Começou a solar uma música que se chama “A Praia”, uma versão consagrada por Aguinaldo Rayol. Ainda que a música não fosse das minhas preferidas, juro que meu coração foi nas nuvens. Ver de perto alguém dedilhar aquele pedaço de madeira e fazer brotar dali uma seqüência melódica foi algo tão sublime, tão vibrante que ali mesmo percebi que eu estava começando um caminho sem volta. E o Mauro deve ter lido isto nos meus olhos e foi franco. Disse que não se considerava um bom violonista e que eu não deveria ter grandes expectativas quanto ao seu potencial de professor. Apenas dispunha-se a passar alguns acordes e algumas dicas sobre o dedilhado da mão direita.
Passamos então à prática, já o que eu queria logo era sair do zero. Começamos pelos acordes de Dó Maior e seus relativos. Era muita coisa, e logo percebi que daquela série já dava pra se encadear umas belas seqüências. Fiz as anotações num pedaço de papel e fiquei de voltar pra uma próxima aula na semana seguinte. Só que havia um problema: eu não tinha um violão pra treinar em casa. Falei isso e ele prontamente fez questão de me emprestar o seu. Sai dali radiante, certo de que agora era comigo. Só dependia de mim pra sair do zero. Tranquei-me em casa durante os seis dias seguintes. Minha mãe quase foi à loucura com as repetições, e mais repetições das seqüências de acordes. Mas era um mundo novo a se abrir pra mim. Fui cantarolando músicas e encaixando acorde pegando o fio da meada, numa obstinação insana e desvairada. Não comia e nem dormia direito.
Cheguei pra aula seguinte. Mauro sentou-se a minha frente, deu um sorrisinho e perguntou: E daí, algum progresso? Apenas me limitei a mostrar os meus calos. E ele: isso eu já esperava! Estou falando de música. Já tocas alguma?
Criei coragem, mostrei o começo da “Casa do Sol Nascente”, depois “A volta” dos Vip´s e por fim “Eu daria a minha vida”, sucesso de Roberto Carlos, interpretado por Martinha. E o Garatéia só dizia: de novo, de novo. Como é que é mesmo essa daí?
E eu só sabia o começo delas, mas o meu “mestre” já estava entusiasmado em aprender aqueles rabiscos. Então perguntei: afinal, eu vim aqui pra aprender ou pra ensinar? Diz aí, Mauro!
E ele, com toda a sinceridade do mundo, jogou a toalha e disse: eu não tenho mais nada a te ensinar. Leva o violão emprestado por uns tempos. Voa sozinho, pois tuas asas são mais rápidas que as minhas!
Era esse o Mauro Garatéia, a quem passei a chamar de “Meu Aprendiz Professor”. Um coração com a generosidade de um anjo.
Enquanto caminhava em direção a minha casa refletia: estou num mato sem cachorro! Tenho muito pra aprender, minha família não tem dinheiro de sobra pra fazer um investimento de utilidade incerta e um violão emprestado que em breve terei que devolver. E agora José?
Decidi encarar o desafio sozinho. Endureci os calos, tinha dores horríveis nos braços e na coluna, mas não fiquei sentado à beira do caminho. E foi assim que aos poucos me vi tocando “Yesterday”, “Nossa Canção” e outras mais. Era eu em estado de graça.
Mas logo um acidente me deixou arrasado. Num descuido, a faxineira lá de casa deixou cair o violão no chão e o braço se partiu em dois. Estrago irreparável para as condições da época. Minha Mãe foi à loucura. Não havia outra saída senão começar uma poupança e comprar um violão novo para ressarcir o Garatéia. Enquanto isso eu me esquivava do “mestre” com receio da sua reação ao saber do fato. Sentia-me responsável por aquela situação e sofria pelo esforço da minha mãe em tirar leite de pedra pra remediar a tragédia.
Passados alguns meses, saí de casa com um violão novinho em folha em baixo do braço com destino ao Sete, para cumprir com o dever de dar uma satisfação ao Mauro e lhe entregar o que era devido. Recebeu-me com o sorriso de sempre, escutou meu relato e foi taxativo: meu querido, leva de volta esse violão. Ele é teu. Eu não nasci pra isto. O talento está em ti e ele vai ser mais feliz nos teus braços do que nos meus. Imagino o quanto sofreste e quanto deve ter sido difícil pra tua família adquiri-lo. Vou torcer por ti e sei que não vais me decepcionar! Pensei: está aí um grande homem!
Acho que não o decepcionei, pois logo, logo já estava tocando nos bailes da vida com uma banda chamada “The Hits”. Mais tarde, virei compositor tendo o Mauro como dos meus maiores incentivadores. No lançamento do meu primeiro CD “Paixão Açoriana”, no TAC, ele estava lá, torcendo por mim.
Não foi por acaso que Garatéia colecionou uma legião de amigos. Sua vida foi uma verdadeira festa, mesmo depois de descobrir que contraíra uma doença grave. Sofria calado, lutou até onde pôde. Sua morte foi uma comoção na cidade. Na Igreja, me pediram pra cantar uma em sua homenagem. Escolhi “Sorri”, uma versão de “Smile” que ele adorava. Foi duro, mas consegui chegar até o fim. Sabe lá Deus como!
Mais tarde o Dorlin Júnior deu-me o estímulo e juntos fizemos uma música em sua homenagem. É uma poesia singela que diz assim:

AGORA OS FINS DE SEMANA
NÃO TÊM O MESMO PRAZER
BASTAVA AQUELA CHAMADA
PRA COMBINAR ONDE IA SER
ONDE IA SER A RODA
RODA GIRANDO A VIDA
NO GOLE DA GELADA
NO CHEIRO DA COMIDA

VIOLA TINHA DE TER
SOBRAVA ATÉ TOCADOR
E O SAMBA VELHO A CORRER
ERA O LEAL FIADOR
DAS JURAS PRONTAS EM RIMAS
DISSIMULANDO A DOR
A DOR QUE AOS POUCOS CALAVA
NOSSO APRENDIZ PROFESSOR

sábado, 2 de abril de 2011

Paixão Açoriana

Hermínia Francisco Coelho era minha avó materna. Marcou como ninguém minha formação. Descendente de açorianos, filha de pescador e marceneiro, foi uma guerreira, um exemplo de dona de casa e mais que isso, uma mulher lúdica. Gostava de nos levar pra praia a noite, contava histórias de pescadores e suas aventuras, nos mostrava as belezas das conchas e das estrelas do mar.
Querida por todos, sua casa era o ponto de convergência da família. Fazia de sua cozinha seu grande objeto de sedução. Não havia quem não se apaixonasse pelos seus biscoitos de coco, pelas suas roscas de polvilho, pelos bolos, pelo peixinho assado, pelas feijoadas, pelo ensopado de camarão e pelo cafezinho que aquecia o coração de quem chegasse. Fosse quem fosse era bem tratado. Não importava se filho, neto, irmão, vizinho ou até mesmo um pedinte. Alguns pescadores da redondeza, ao sair do mar, costumavam passar em sua casa pra um cafezinho e ali deixavam algum resultado de sua pesca. Uma tainha, um robalo, uma garoupa... Tudo muito fresquinho e que ela preparava com esmero inigualável.
Torcedora fanática do Botafogo de Mané Garrincha, Didi e Nilton Santos, discutia futebol com o conhecimento de quem ouvia diariamente os programas esportivos das rádios AM do Rio de Janeiro. Tinha opiniões contundentes e não costumava abrir mão de suas convicções.
Era exímia costureira. Fazia de tudo, desde a mais simples toalhinha de louça até os vestidos de baile das filhas e netas.
Certa vez eu estava sentado na varanda da sua casa conversando com meu avô, Aristides Coelho. Lá pelas tantas eu falei assim: Vô, eu tenho inveja do senhor!  E ele: Mas por que, garoto? E eu: Invejo sua sorte de ter casado com uma mulher tão maravilhosa!
Meu amigo Sérgio da Costa Ramos, brincando, diz que isto foi uma confissão de complexo de Édipo ao quadrado.
E disse-lhe mais: Se eu fosse o senhor, fazia uma poesia pra ela. E ele: Mas garoto, eu sou apenas um torneiro mecânico, mal sei escrever o meu nome. Não dá! Sugiro então que tu te coloques no meu lugar e escreve esta poesia em forma de música, pois já sabes tocar violão. Que tal? Falei: Está bom, fica combinado assim!
E aquela conversa ficou como um dever de casa pra mim. Por muitos anos a tarefa foi sendo adiada. Eu tentava, mas não conseguia chegar a um resultado convincente.
Até que um dia vó Hermínia veio a falecer. Sofri muito com a sua perda e talvez levado pela emoção do momento a música surgiu em minha cabeça. Foi um momento mágico, desses que a gente nunca mais esquece.
Na primeira oportunidade que tive de estar a sós com meu avô, peguei o violão e cantei:
SABIA SEMPRE ONDE ERA BOM DE SE PESCAR
GUARDAVA SEMPRE BONS TEMPEROS SÓ PRA MIM
SABIA MUITO DAS MARÉS
CATAVA CONCHAS PELO CHÃO
CONTAVA HISTÓRIAS DOS PESQUEIROS DA ARMAÇÃO
TINHA SEMPRE UM JEITO BOM DE ME AMAR
FAZIA SEMPRE UMAS LOUCURAS SÓ PRA MIM
GOSTAVA DO MEU CAFUNÉ,
BOTAVA ÂNSIA EM MINHAS MÃOS
JOGAVA LENHA NAS FOGUEIRAS DA PAIXÃO
E ERA BENDITA, ERA  BONITA
TAL COMO A LUA NO CANTO DOS ARAÇÁS
FELINA, DIVINA
ELA ERA A FERA QUE EU SONHAVA DOMINAR
E ERA BENDITA, ERA BONITA
TAL COMO A LUA NO CANTO DOS ARAÇÁS

MALDITA, A DITA

QUE ME DEIXOU PRA NUNCA MAIS EU SOSSEGAR
Quando acabei de cantar, seus olhos estavam marejados. Pouco meses depois também veio a falecer, talvez pra se juntar a dita. Tomara que estejam juntos!